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A EDUCAÇÃO FABRIL DE GOIÁS[1]

 

Gabriel de Melo Neto[2]

 

Diante da necessidade de construir uma casa, consertar um carro ou realizar um tratamento de saúde, o bom senso recomenda a procura de um bom profissional, afinal, ninguém quer que o teto de sua casa caia em sua cabeça, que o carro quebre no meio de uma viagem, muito menos que a “terra encubra” algum erro médico. No entanto, quando se trata de questões da administração pública tal regra é pouco empregada, uma vez que os critérios para a nomeação de gestores buscam atender aos acordos políticos eleitorais.

Dentro dessa perspectiva, em janeiro de 2011, um “economista” assumiu a responsabilidade de administrar a educação no estado de Goiás. Situação que representou grande surpresa no cenário político goiano, uma vez que o referido “economista” representava uma esperança eleitoral futura para o grupo partidário derrotado. Assim, o então deputado federal Thiago Peixoto, inicialmente buscou conciliar as suas obrigações parlamentares em Brasília e os seus afazeres de secretário estadual de educação.

Outra questão relevante nesse processo foi o fato inusitado em Goiás que pela primeira vez, pelo menos desde a redemocratização, uma pessoa que não é professor/a, sem um histórico minimamente significativo de docência ou qualquer vínculo direto com a causa da educação, foi escolhida para ocupar a pasta da Educação no Estado.

Isso posto, passados 33 meses da gestão do Economista Thiago Peixoto, é imprescindível a realização de uma análise crítica dos resultados apresentados pelo mesmo até o momento, diante da importância da educação como um instrumento para a garantia de direitos e superação de graves problemas sociais.

Inicialmente, após experiências educacionais colhidas em viagens realizadas aos EUA, o atual secretário trouxe na bagagem, as fórmulas neoliberais ditadas pelo Banco Mundial, bem como as traumáticas experiências educacionais que são aplicadas por exemplo no estado de São Paulo, formulando um Plano de Metas, intitulado Pacto Pela Educação, propondo uma verdadeira “revolução”, segundo as inúmeras afirmações do referido secretário, situação no mínimo irônica, uma vez que as partes diretamente interessadas – estudantes, pais, professores, demais profissionais e setores da sociedade vinculados a educação – não participaram efetivamente e/ou concordaram com o referido “pacto”.

Atualmente um desavisado que entrar em uma escola da rede estadual e visitar a sala dos professores – ou os corredores, cubículos e espaços que ocupam essa função nas verdadeiras unidades escolares, bem diferente das escolas fictícias apresentadas nas campanhas publicitárias governamentais – pode acreditar que está dentro de uma empresa, diante dos gráficos, tabelas, planilhas, metas e relatórios pendurados nos murais paredes e espalhados pelas mesas. As escolas estaduais lembram empresas também, devido a todas as medidas que visam a melhoria de índices e números, perseguidos de forma obsessiva, no qual os professores equiparam-se a operários que precisam aplicar currículos, repassar conteúdos e preencher planilhas de forma mecânica, preocupados muito mais com o controle e as cobranças dos coordenadores pedagógicos e diretores do que com as questões propriamente pedagógicas e as necessidades e especificidades de cada estudante. Por sua vez, muitos coordenadores e diretores escolares ocupam a função de gerentes, capatazes, que exigem o fiel atendimento das metas propostas sem pestanejar.

Nesse ínterim, não é possível ignorar, as novas funções criadas no ambiente escolar goiano, como os Tutores Pedagógicos e outros personagens responsáveis pelo efetivo controle e fiscalização da escola/empresa. Com inúmeros mecanismos similares a fábricas, como na política de meritocracia, e seus prêmios por produtividade, sendo o mais conhecido o Programa Reconhecer, através de um Bônus Semestral, constituindo-se em uma única parcela de acréscimo a cada semestre no valor de aproximadamente 4% do montante pago no período, conquistado apenas por aqueles que ao longo do semestre, preencheram todas as planilhas e não faltaram ao trabalho, mesmo doentes, uma vez que os atestados médicos na maioria dos casos são sumariamente desconsiderados.

Para a fábrica, digo escola, funcionar, medidas de contenção de gastos fazem parte do “plano”, e como no mundo fabril, o achatamento salarial é um dos carros chefes, com manobras para não cumprir efetivamente a Lei Federal do Piso Salarial, através da quebra no Plano de Carreira que permaneceu em vigor no estado durante uma década, com o corte de gratificações por Titularidade, atropelando a formação conquistada a custo de sacrifícios pelos/as professores/as que fizeram suas pós-graduações sem qualquer apoio governamental ao longo dos anos. Bem como, o não cumprimento do reajuste do Piso Nacional para toda a categoria conforme a legislação em vigor.

Sem ignorar as medidas para a redução da autonomia escolar, através de mudanças como no processo de escolha da Equipe Gestora, constituída pelo Diretor, Vice-Diretor e Secretário Escolar, que até então eram eleitos de forma direta pelos seus pares, e por toda a comunidade escolar, mas com as novas regras houve um retrocesso democrático, na qual apenas é eleito o Diretor, enquanto os demais integrantes da Equipe Gestora, de forma maciça, seguem a mesma orientação das indicações segundo as conveniências dos interesses partidários.

Apesar dos mecanismos de coerção empregados para que o operário/professor não se manifeste, sob o risco de perder o “Bônus” e da grande maquiagem midiática da realidade de precariedade e sucateamento em que se encontram parte significativa das unidades escolares, desenha-se no momento um cenário de descontentamento generalizado da categoria, inclusive com o clamor por uma nova greve, que caso se consolide, dará ao atual secretário a preocupante marca de duas greves em pouco mais de um ano. Ressalva-se que durante os 51 dias de greve em 2012, a mesma foi caracterizada pela recusa em negociar do governador e a inabilidade do secretário em conduzir o processo.

Assim, em nome de índices, números e gráficos, a educação goiana se assemelha cada vez mais a um modelo fabril, no qual os professores não precisam pensar o processo de ensino/aprendizagem, mas apenas cumprir as determinações repassadas pelos “economistas da educação”, preenchendo planilhas, aplicando currículos como se seguissem receitas prontas e acabadas, sob um forte controle de uma hábil equipe de coordenadores, diretores e tutores. Tal “pedagogia” já foi devidamente denunciada por inúmeros professores respeitáveis que comprovaram o fracasso desse modelo, entre os quais o Mestre Paulo Freire que alertava sobre a necessidade de superar esta “educação bancária” e instituir uma Pedagogia da Autonomia, com a sua dimensão crítica, reflexiva e emancipadora.

 


[1] Artigo de Opinião publicado no Jornal Diário da Manhã na edição do dia 06 de setembro de 2013.

[2] Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Goiás – Campus Catalão, professor da Rede Estadual de Educação em Goiás.

Artigo disponível emhttps://www.dm.com.br/jornal/#!/view?e=20130906&p=21